Especialistas de diferentes áreas se reuniram em São Paulo para debater os principais desafios do cenário econômico global, as novas exigências do mercado de trabalho e o papel da inteligência artificial na transformação das organizações. O encontro reuniu mais de 400 líderes, executivos e economistas no Transformation Talks 2.0.
Organizado pela Robert Half e pela It’sSeg, o evento trouxe à tona discussões estratégicas sobre macroeconomia, gestão de pessoas, ética empresarial e o futuro das relações de trabalho em meio a um mundo cada vez mais digitalizado.
O que você vai ler neste artigo:
Volatilidade econômica e os impactos no Brasil
A crescente guerra comercial entre Estados Unidos e China revela um novo momento da economia global. Para Pedro Renault, superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco, a instabilidade tende a ser duradoura, mesmo com eventuais acordos entre as potências. A volatilidade, segundo ele, deve ser tratada como ponto de partida para decisões de longo prazo dentro das empresas.
O Brasil, apesar dos seus entraves fiscais e do ciclo de juros prolongado, pode se beneficiar pontualmente do conflito. A agroindústria, por exemplo, já sente aumento na demanda chinesa por produtos como a soja. Esse ganho, no entanto, poderia se reverter se as grandes economias chegarem a novos entendimentos comerciais.
Algumas oportunidades também surgem com a queda nos preços de insumos chineses, favorecendo setores como o da construção civil. Em contrapartida, segmentos como o automotivo devem enfrentar maior competitividade, pressionando margens e exigindo maior eficiência da produção local.
Além disso, o posicionamento estratégico do Brasil como país neutro, com vocação verde e acesso privilegiado a mercados dos hemisférios Norte e Sul, torna-o interessante para investidores internacionais. Contudo, Renault alerta para ilusões de curto prazo: acordos tarifários não garantem estabilidade na exportação se os desequilíbrios comerciais voltarem a ocorrer.
Liderança racional e saúde emocional nas empresas
O historiador e palestrante Leandro Karnal direcionou sua fala para os aspectos humanos e emocionais da liderança em tempos de transformação acelerada. Segundo ele, quanto mais elevada a posição de um gestor em uma empresa, maior deve ser o seu compromisso com o equilíbrio emocional. A liderança, ressalta, não pode ser movida pela paixão, mas por discernimento e maturidade.
A presença de ambientes tóxicos no trabalho, segundo Karnal, ainda continua sendo uma realidade em muitas organizações. Apesar disso, ele defende que o reconhecimento da saúde mental como fator essencial para o desempenho organizacional representa um avanço. A recente revisão da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que obriga avaliação dos fatores psicossociais nas empresas, é um exemplo dessa mudança.
A ética empresarial também foi destaque em sua análise. Ter um código de conduta não é suficiente — é preciso garantir sua aplicação prática no dia a dia corporativo. Para Karnal, adotar critérios éticos como excluir fornecedores que desrespeitam direitos humanos ou o meio ambiente é uma forma de sustentabilidade empresarial legítima.
Essas transformações, ainda que impulsionadas por leis, só alcançarão resultados concretos se houver uma mudança cultural profunda dentro das empresas, explicou o palestrante. A inteligência emocional, portanto, deixa de ser um diferencial para se tornar competência essencial para líderes e suas equipes.
Inteligência artificial e o futuro das competências
A introdução de ferramentas de inteligência artificial nos processos corporativos é, para os especialistas do evento, uma revolução comparável à industrial. Pedro Renault exemplificou como o uso do ChatGPT já tem acelerado modelagens econômicas e análises de dados no Itaú. A empresa identificou maior agilidade e produtividade em diversas áreas, reforçando que o domínio dessas novas tecnologias será determinante para a competitividade.
Leandro Karnal, por sua vez, destacou que as empresas precisam evoluir para ambientes de aprendizado contínuo. A formação técnica ou superior já não garante a permanência e a performance profissional. Com isso, as organizações precisarão investir em qualificação digital e humana — não apenas para se manterem inovadoras, mas para preservar talentos.
A troca é clara: as escolas estão cada vez mais gerenciadas com mentalidade empresarial e as empresas precisam assumir o papel educativo que a nova economia exige. Nesse contexto, a polarização entre "humano versus máquina" cede lugar a uma narrativa integradora — em que tecnologia e pessoas se complementam.
Cultura organizacional e retenção de talentos
Fernando Mantovani, diretor-geral da Robert Half para a América do Sul, participou do painel final e enfatizou que o maior ativo de uma empresa continuará sendo as pessoas. Em um mercado competitivo e com mudanças constantes, reter talentos exige mais do que pacotes salariais: é preciso proporcionar propósito, escuta ativa e cultura empresarial forte.
Segundo ele, os profissionais — especialmente os mais jovens — valorizam ambientes em que podem se expressar e crescer. A comunicação, portanto, desponta como elemento-chave para o engajamento. Organizações que mantêm canais de diálogo abertos com suas equipes são mais capazes de se adaptar e inovar frente aos desafios.
Independentemente das gerações, a necessidade de conexão humana e reconhecimento dentro do trabalho permanece como um dos pilares da motivação. Nesse sentido, as práticas tradicionais de liderança passam por uma transição, com foco crescente em empatia, flexibilidade e colaboração.
O Transformation Talks 2.0 deixou claro que o futuro das corporações será moldado não apenas por fatores econômicos e tecnológicos, mas também pela capacidade de ouvir, adaptar e cuidar das pessoas que fazem parte das organizações.